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Navegando por novas alianças a partir da Costa Rica*

*Artigo originalmente publicado em inglês na Branch Magazine Issue #6

 

 

Num mundo repleto de informações e tecnologia, nos vemos constantemente bombardeados por notícias e narrativas que moldam nossas percepções da realidade. No entanto, nem toda informação apresentada a nós é genuína ou precisa, levando à distorção de fatos e manipulação da opinião pública. Neste ensaio, vamos aprofundar nas raízes históricas e sistêmicas da manipulação midiática, focando nos desafios únicos apresentados pela desinformação socioambiental e climática.

 

A RightsCon na Costa Rica provou ser uma ocasião fortuita para nós, Jessica, Lori e Eliana, nos reunirmos e aprofundarmos nas questões relacionadas à tecnologia, mídia e iniciativas confiáveis impulsionadas por iniciativas comunitárias. Nós nos vimos atraídas pelas discussões umas das outras durante a conferência e o evento da Green Screen Coalition, onde compartilhamos nossas experiências e insights sobre combater a desinformação, capacitar o jornalismo local e promover ecossistemas de informação em nossos respectivos países no sul global. Além da conferência e como autoras deste texto, nossa recém-descoberta aliança prosperou, e continuamos a nos apoiar mutuamente em nossa missão coletiva de refletir sobre os desafios sistêmicos para promover ecossistemas confiáveis na era digital.

 

Desvendando as raízes históricas da manipulação midiática

 

O aumento da desinformação tornou-se uma preocupante questão global. Para entender verdadeiramente as complexidades da desinformação socioambiental e climática, e como ela difere de outros tipos de desinformação, é necessário mergulhar nas raízes da manipulação midiática. A disseminação de informações sempre foi influenciada por aqueles em posições de poder que buscam moldar a opinião pública e promover suas próprias agendas. Em questões climáticas e ambientais, as indústrias de combustíveis fósseis e o agronegócio desempenharam um papel significativo na modulação das narrativas públicas por meio de propaganda e desinformação. O poder econômico dessas indústrias permitiu-lhes exercer uma influência significativa sobre os meios de comunicação, financiando campanhas que promovem seus interesses e minimizam a urgência das mudanças climáticas e da degradação ambiental. Suas campanhas de desinformação foram estrategicamente projetadas para semear dúvidas, negar o consenso científico e desviar a atenção da necessidade urgente de práticas sustentáveis.

 

A proliferação de plataformas de mídia e tecnologias digitais nos últimos anos intensificou ainda mais a disseminação da desinformação, tornando ainda mais desafiador para as pessoas discernirem as fontes confiáveis das enganosas. Além disso, a concentração da propriedade de mídia nas mãos de algumas grandes corporações poderosas limitou vozes e perspectivas diversas, perpetuando a predominância de narrativas tendenciosas. Nesse contexto, a reflexão crítica sobre quem dissemina informações e quais são seus motivos subjacentes torna-se crucial.

 

Ao identificar os interesses comprometidos que buscam manter o status quo e ao questionar a concentração de conhecimento e poder midiático nas mãos daqueles com agendas neoliberais, podemos promover a transparência, incentivar o jornalismo independente e fomentar ecossistemas de informação diversos e descentralizados. Isso ajuda a combater a influência insidiosa da manipulação midiática.

 

Reconhecer as bases históricas da manipulação midiática é vital para compreender suas manifestações atuais e desenvolver estratégias eficazes para combater a desinformação socioambiental e climática. Ao buscarmos construir ecossistemas de informação confiáveis, devemos confrontar as dinâmicas de poder e advogar por uma paisagem midiática mais inclusiva e pluralista que capacite comunidades e promova tomadas de decisão informadas.

 

Compreender a natureza distinta da desinformação socioambiental e climática

 

A desinformação socioambiental e climática apresenta desafios únicos devido ao tamanho e poder das empresas e governos envolvidos. Ao minar o consenso científico e atrasar ações necessárias, a manipulação da informação climática tem consequências de amplo alcance para nosso planeta e seus habitantes. A desinformação sobre as mudanças climáticas intensifica a vulnerabilidade de comunidades que já enfrentam desafios ambientais, sendo os países do sul global os mais impactados, apesar de contribuírem minimamente para suas causas. Campanhas de desinformação nessas regiões agravam ainda mais a situação, prejudicando os esforços para enfrentar a crise.

 

Criando soluções por meio do jornalismo local e ecossistemas de informação impulsionados pela comunidade 

 

Para combater efetivamente a desinformação socioambiental e climática, devemos recorrer ao poder do jornalismo local e aos ecossistemas de informação impulsionados pela comunidade.

Ao amplificar vozes diversas e realizar reportagens transparentes, frequentemente corajosas, os jornalistas locais desempenham um papel crucial em combater narrativas falsas. A informação precisa e específica do contexto por eles fornecida  capacita o ambiente comunitário  a tomar decisões informadas e combater ativamente a desinformação.

 

Ecossistemas de informação comunitários também podem desafiar a desinformação e têm o potencial de reconstruir a confiança. Quando comunidades locais produzem, disseminam e verificam informações, tornam-se menos suscetíveis à manipulação por fontes externas. Esse tipo de abordagem descentralizada devolve o poder narrativo às pessoas, promovendo a resiliência contra a desinformação.

 

Iniciativas Territoriais para a Justiça Climática

 

Na Costa Rica, tornou-se cada vez mais evidente que a luta contra narrativas falsas exige ação coletiva e uma compreensão profunda de suas raízes históricas e sistêmicas. Ao reconhecer o impacto da manipulação da informação em comunidades marginalizadas e no meio ambiente, podemos trabalhar para capacitar esforços territoriais visando aprimorar ecossistemas de informação comunitários e locais. 

Como destacado pelas lideranças da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), o conhecimento das comunidades locais, por meio de suas próprias organizações, é fundamental para tecer diálogos entre territórios e em conexão com eles. Jader Gama nos falou sobre as Cosmotécnicas Amazônicas, um método para visualizar a relação entre técnica e cultura, que articula autonomia tecnológica, participação social e soberania digital, e está fundamentado na pluralidade das formas de vida e gerenciamento do conhecimento amazônico. Ampliando além de incêndios florestais, mineração e desmatamento, Jéssica Botelho, do CPA (Centro de Produção Audiovisual Comunitário), refletiu sobre o ecossistema midiático amazônico e as violações dos direitos humanos decorrentes da negação de acesso à informação, baixa conectividade à internet e desertos de notícias.

 

Todas essas pessoas falaram de autonomia e das soluções que surgem nos territórios. O fortalecimento dessas organizações em espaços internacionais, como a RightsCon e a Coalizão Green Screen (incubada pela organização filantrópica Ariadne), representa uma oportunidade genuína para o fortalecimento institucional de organizações locais. No entanto, ainda existem desafios para que o potencial desses grupos e organizações locais seja completamente realizado no contexto de soluções globais.

 

O rico intercâmbio de experiências compartilhadas na Costa Rica deixou claro que a luta contra narrativas climáticas falsas deve ser multifatorial, multissetorial e ocorrer em diferentes escalas. Juntos, devemos construir alianças que unam indivíduos de países do sul global e além, promovendo um compromisso conjunto para combater a desinformação socioambiental e climática, e cultivar ecossistemas de informação confiáveis e impulsionados pelos laços comunitários. Esses ecossistemas informarão a tomada de decisões para moldar um futuro sustentável para todos. 

 

Eliana Quiroz é a Gerente de Desenvolvimento de Negócios da HIVOS para a América Latina, na área de Direitos Cívicos em uma Era Digital. Ela é membro do Conselho do InternetBolivia.org, bolsista da Global Network Initiative (GNI) e pesquisadora visitante no Digital Disinformation Hub do Leibniz Institute for Media Research (Hamburgo, Alemanha). Eliana coordenou e coautora de um dos primeiros manuais acadêmicos sobre Internet e sociedade na Bolívia. Ela é a primeira Chefe de E-Government na AGETIC (Agência de E-Government e TICs do Estado Nacional). Desde 2013, Eliana escreve uma coluna quinzenal de opinião, “Internet a la Boliviana”, para o jornal nacional La Razón.

 

Jessica Botelho é jornalista e pesquisadora, trabalhando em monitoramento de dados e desinformação socioambiental. Atualmente, ela é doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ. Sua pesquisa examina narrativas jornalísticas sobre desmatamento durante o governo Bolsonaro a partir das redes de comunicação de mídias baseadas na Amazônia. Jéssica coordena o Centro Popular do Audiovisual, uma organização que trabalha para fortalecer redes de comunicação na Amazônia que lidam com questões socioambientais, diversidade cultural e direitos humanos.

 

Lori Regattieri (elu/ela) é consultora em tecnologias justas e sustentáveis na filantropia. Foi Senior Fellow Trustworthy AI na Mozilla Foundation (2022-2023). Gerente de programas com mais de 15 anos dedicados a pesquisa, campanhas e advocacy trabalhando com a sociedade civil e movimentos sociais no Brasil, América Latina, Sudeste Asiático e União Européia, sua atuação abrange a agenda de clima, sociobiodiversidade e defesa de direitos territoriais na interseção com tecnologias e práticas informacionais para a autonomia. Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao longo de sua carreira, pesquisou no Netlab (UFRJ), Medialab (UFRJ), Cibercult (UFRJ), Circa (University of Alberta) e Labic (UFES), além de ter desempenhado o papel de co-editora na revista feminista DR. Fundadora da plataforma ECO-MÍDIA: http://www.eco-mídia.com.

 

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