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No colapso climático, quem tem acesso à informação e comunicação?

Por Jéssica Botelho, coordenadora do CPA

O Brasil depara-se com um novo cotidiano que não é novidade para a Amazônia: dias cinzentos de fumaça e fuligem, além das labaredas vermelho-alaranjadas que destroem áreas verdes. Criminosos se aproveitam do desmonte de proteção ambiental dos últimos anos, alterações climáticas e complacência de autoridades para provocar incêndios, resultando em uma devastação que impacta milhões de vidas, seja pela perda da biodiversidade ou pelos danos à saúde causados pela poluição do ar. No dia 28 de agosto, todos os 62 municípios do Amazonas foram declarados em situação de emergência ambiental e de saúde pública devido à seca e à fumaça das queimadas. Como a população se informa e se comunica nesses territórios?

Crédito: Ibama

No final de julho, o Centro Popular de Comunicação e Audiovisual (CPA), visitou a Comunidade de Nossa Senhora do Livramento, uma das seis comunidades que integram a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, na área rural de Manaus e na região metropolitana da cidade, e que abriga populações tradicionais indígenas e não indígenas. A atividade, batizada de ‘Internet Sem Leseira’, feita por demanda do IDEC e da Derechos Digitales, era voltada para a educação sobre o ambiente online, com foco em segurança digital e combate à desinformação. No entanto, durante o encontro, diversas questões de conectividade foram destacadas pela comunidade.

Chama a atenção é que logo na entrada da Comunidade do Livramento, localizada a cerca de dez quilômetros da cidade de Manaus, é possível observar uma antena da Oi. Os moradores informaram que a estrutura está desativada e que, ocasionalmente, técnicos realizam manutenções, mas sem a oferta de conexão para a comunidade. Essa antena pode servir de símbolo para uma estratégia precária de conectividade para as comunidades amazônidas. Estruturas prontas, que poderiam atender ou servir de apoio, à uma estratégia de conectividade significativa, mas que acabam abandonadas. A Comunidade do Livramento, como muitas outras por toda a região amazônica, não é lucrativa comercialmente, é pequena e rende poucos votos, e isso a faz invisível a muitos olhos.

Crédito: Roberto Fernandes/CPA

Outro problema mencionado foi a limitação de acesso à internet da escola local, que conta com a estrutura de telecentro instalada, mas o corpo docente e a gestão (compostos por profissionais de Manaus) não disponibiliza para acesso dos comunitários, seja para estudos, seja para outros usos necessários. Importante destacar que a escola da Comunidade do Livramento oferece turmas apenas até o 9° ano, e que os estudantes que concluem sua formação, precisam se inscrever para cursar o ensino médio ou na capital, ou de forma remota em outra comunidade. 

A oferta de Internet na Comunidade do Livramento se dá também de forma comercial, com algumas empresas oferecendo planos pagos, o sinal de telefonia celular garantindo o acesso via pacote de dados, e a Internet de satélites de baixa órbita da Starlink. A oferta de acesso à Internet comercialmente foi relatada pelos moradores como impeditiva, visto que os valores cobrados pelos planos são distantes da realidade econômica local, e aqueles que acabam por assinar ou fazem em algum arranjo coletivo, compartilhando os custos da assinatura. Durante a experiência da oficina do CPA, os participantes relataram algumas dessas  dificuldades de conexão, e nos chamou atenção aquelas relacionadas aos cabos de fibra óptica que chegam pelos rios. Durante os períodos de estiagem severa, como ocorrido em 2023 quando o nível dos rios está baixo, é comum acidentes em que os cabos se enrolam e quebram nas lâminas dos motores dos barcos que circulam na região, ocasionando a interrupção do serviço de Internet em um contexto em que a comunidade já sofre pelas limitações logísticas.

É importante contextualizar ainda o transporte e o acesso à comunidade do Livramento, até para a entendermos como um recorte de diversas comunidades por toda a Amazônia. A logística da região é feita prioritariamente por barcos, e o regimento de cheias e vazantes dos rios é que determina a dimensão dos barcos que chegam às comunidades, assim, durante o período de cheia, barcos maiores podem chegar na comunidade e abastecer com mantimentos e materiais, já na vazante o acesso fica escasso, e com as secas históricas diversas comunidades ficam inacessíveis. A comunidade do Livramento não chega ao ponto da inacessibilidade, mas o acesso fica restrito às rabetas, embarcações de pequeno porte, com pouca capacidade de carga. 

A conexão via fibra óptica subaquática é a base do programa Amazônia Conectada. Segundo o Ministério da Defesa, que lidera o projeto, o programa surgiu da necessidade estratégica de conectar as unidades do Exército Brasileiro na região Amazônica Ocidental. A inclusão digital seria, então, uma consequência da infraestrutura, que prioriza dar suporte às atividades de Comando e Controle, administrativas e operacionais, do Ministério da Defesa naquela região. Ainda assim, o que observamos é que com as mudanças climáticas cada vez mais intensas este não é o modelo mais adequado para a região.

No estado do Amazonas, segundo dados do Atlas da Notícia, existem 18 desertos de notícias e 36 quase desertos (municípios com apenas 1 ou 2 veículos de comunicação). Ou seja, 87,10% do território amazonense vive em situação de vulnerabilidade informacional devido à ausência ou fragilidade do ecossistema de jornalismo local em paralelo a outras vulnerabilidades causadas por desigualdades sociais, principalmente em decorrência de exploração predatória de recursos naturais.

As dificuldades de conexão à internet, como as vivenciadas pela Comunidade do Livramento, intensificam as preocupações com a garantia do direito à comunicação e à informação em tempos de emergência climática. Populações inteiras estão isoladas, não apenas pela impossibilidade de navegação dos barcos pelos rios, mas também pela ausência de políticas públicas e infraestruturas que realmente atendam às necessidades informacionais do povo amazônida. Consequentemente, as narrativas sobre a situação, que se agrava diariamente, são centradas em grupos de comunicação distantes espacialmente e dissonantes ideologicamente, mesmo quando se trata de mídias amazonenses.

Idealmente, essas narrativas deveriam seguir os princípios básicos do jornalismo ambiental, buscando expor a crise climática em todas as suas repercussões, conectando causas e medidas a partir de fatores políticos, econômicos, culturais, ambientais, etc., na escala local e regional. O resultado da ausência dessas narrativas é o espaço aberto para desinformação socioambiental e a consequente normalização do ‘período da fumaça’, que vivenciamos há alguns anos, mas que está longe de ser um fenômeno natural.

*Esta semana, a prefeitura de Manaus anunciou a Comunidade do Livramento como um ponto de apoio para outras comunidades durante a atual estiagem em Manaus. O local receberá itens de primeira necessidade, como alimentos e água mineral, para atender comunidades do rio Amazonas e da região do Lago Puraquequara, que ainda serão definidas. 

**Novos projetos de conexão à internet via Starlink têm surgido como uma possível solução para a inclusão digital em territórios isolados. No entanto, a forma como o seu proprietário, Elon Musk, conduz seus negócios em países periféricos, leva a insegurança jurídica em torno dessas empresas, assim persistem dúvidas sobre a vulnerabilidade dessa conexão. Recentemente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou o bloqueio das contas da empresa Starlink Holding, também pertencente ao bilionário, devido à ausência de um representante legal da rede social X no Brasil.

 

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